Consciência Negra: a importância do debate étnico-racial na formação e atuação em Serviço Social

Debate étnico-racial é necessário à consolidação do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro que vislumbra uma sociedade livre de toda a exploração, dominação e opressão

Card amarelo traz ilustração com símbolo da ética e punho fechado. Texto: seja no tripé ensino, pesquisa, extensão, seja na prática, nosso compromisso é antirracista. Logos(arte: Rafael Werkema/CFESS)

Levar o debate étnico-racial para a formação e a atuação profissional em Serviço Social é urgente para que todas as formas de opressão mantidas pelo sistema capitalista vigente sejam combatidas. O Serviço Social e suas entidades representativas (Conjunto CFESS-CRESS, Abepss e Enesso) têm compromisso com a luta antirracista e promovem ações que contribuem para que ela avance. Exemplo disso é a campanha do conjunto CFESS-CRESS “Assistentes Sociais no combate ao racismo”, realizada no triênio 2017-2020; e também a publicação da Abepss “Subsídios para o debate étnico-racial na formação profissional”, de 2018. Ambas continuam reverberando no Serviço Social brasileiro, mesmo fora das datas especiais, como o Dia da Consciência Negra, celebrado neste mês, em 20 de novembro.

Clique e acesse a publicação da Abepss “Subsídios para o debate étnico-racial na formação profissional”.

Clique a acesse os materiais da campanha do conjunto CFESS-CRESS “Assistentes Sociais no combate ao racismo”.

De acordo com Tales Willyan Fornazier Moreira, assistente social, doutorando em Serviço Social (PUC-SP), e representante discente nacional de pós-graduação na Abepss, os subsídios elaborados pela entidade “nos dão pistas essenciais para a compreensão da questão étnico-racial no âmbito da formação graduada e pós-graduada e, fundamentalmente, aponta a direção que precisamos acumular e avançar”. Ele aponta que é fundamental o entendimento de que a luta antirracista deve ser cotidiana, pois a população negra é vilipendiada há séculos no Brasil, exterminada a cada 23 minutos, sendo o segmento da classe trabalhadora mais massacrado pelo processo destrutivo do capital.

Na avaliação de Tales, é necessário que a categoria profissional, na sua diversidade – conjunto de discentes, docentes, pesquisadores/as, assistentes sociais –, se aproprie permanentemente desse debate, “para conseguirmos avançar qualitativamente na formação de profissionais com competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas efetivamente antirracistas. Só assim, estaremos fazendo jus e sendo coerentes com a direção emancipatória do nosso projeto profissional, que se vincula a um projeto de sociedade livre de exploração, dominação e opressão”, defendeu.

A assistente social e conselheira do CFESS, Dilma Franclin de Jesus, que se apresenta como “mulher preta do Subúrbio Ferroviário de Salvador (BA)”, destaca que as entidades representativas da categoria seguem realizando ações para adensar o diálogo sobre o tema, e que a campanha Assistentes Sociais no Racismo (2017-2020), foi um marco nesse sentido. “A classe trabalhadora em seus diferentes estratos é majoritariamente preta, e a população que acessa as políticas sociais tem cor. Foi nessa perspectiva que construímos um debate franco com a sociedade e com assistentes sociais de todo o país por meio da campanha, que ainda reverbera, afirmando que o combate ao racismo se dá no cotidiano. O nosso código de ética já trata disso”.

Segundo Dilma, a campanha alertou para diversas expressões racismo no cotidiano, e ela usou seu trabalho de assistente social com a população em situação de rua (Consultório na Rua) e também em uma maternidade no subúrbio de Salvador como exemplos, já que lida com histórias de violências diversas na rua, na maternidade, na vida, perpassadas pelo racismo. “O Consultório na Rua é uma política pública, mas enfrenta a terceirização. É a única política da atenção básica da saúde de Salvador que é terceirizada. O que já demonstra o racismo institucionalizado na oferta de serviços e cuidados em saúde para esta população específica”.

A conselheira do CFESS concluiu: “Precisamos dialogar com todos os níveis de atendimento, porque, senão, nosso público não consegue nem entrar no espaço de atendimento. Os materiais que as entidades têm produzido ajudam nesse diálogo. E a categoria precisa ler os materiais e se envolver em atividades. Precisamos trabalhar para que as/os assistentes sociais estejam compromissadas/os com a luta antirracista e com o público que atendem”.

A presidenta do CRESS-MT, Larissa Gentil Lima, ressalta que a os materiais produzidos pelas entidades representativas da categoria sistematizam de maneira mais robusta o debate da questão étnico-racial na profissão. “Penso que a campanha do Conjunto CFESS-CRESS ‘Assistentes Sociais no Combate ao Racismo’ tenha sido um marco no Serviço Social brasileiro. Percebo esse momento como uma abertura do debate, abertura não no sentido de início, pois muitas/os já pautavam/estudavam/alertavam sobre a necessidade de discussão do tema, mas no sentido de uma sistematização mais robusta. Essa sistematização, que se materializa nos materiais produzidos pela campanha, serviu e serve para que profissionais, estudantes, entidades e coletivos sigam pautando a questão racial, bem como para que sigamos produzindo novos conteúdos e principalmente novas atitudes e posturas no sentido de denúncia e enfrentamento ao racismo. Os subsídios da Abepss têm esse mesmo impacto e percebo esse material como um importante instrumento para o debate da questão racial”, explica.

Ela ressalta também que os efeitos da campanha do Conjunto CFESS-CRESS têm reverberado continuamente no seu cotidiano profissional, seja enquanto assistente social, enquanto presidenta do CRESS-MT, enquanto supervisora de estágio e enquanto mulher negra. “Desde o lançamento da campanha a forma como percebo a questão racial alterou-se. A sensação que tenho é de que diversos véus estão sendo retirados, deixando mais evidente os impactos do racismo nos mais diversos âmbitos da minha vida e da sociedade de forma geral”. Larissa Gentil Lima também atua como assistente social no Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) e destaca que o CRESS-MT, em 2020, inspirado pela Campanha, realizou o curso “Vamos falar sobre o racismo? O debate sobre a questão racial na formação e no exercício profissional”.

(O vídeo de encerramento da campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo)

Conjuntura e impacto

Para a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Tereza Cristina Santos Martins, manter a pauta antirracista na agenda de lutas da categoria e das entidades para além das datas, e na conjuntura atual, só será possível com o avanço na recomendação de inclusão do debate antirracista na estrutura curricular dos cursos de Serviço Social no Brasil. “E isso precisa articular-se concretamente com as pautas políticas e lutas antirracistas. E precisamos construir estratégias coletivas em torno da luta antirracista na profissão”.

Tales Willyan Fornazier Moreira, da Abepss, acrescenta que a conjuntura atual tem sido um desafio exponencial. “Um desgoverno de caráter nazifascista e puro-sangue como esse de Bolsonaro-Mourão contribui diuturnamente para aprofundar de forma assombrosa todo o processo de desigualdade histórico vivenciado por essa população. Temos vivenciado uma realidade alarmante de aumento da pobreza e da extrema pobreza em nosso país, o aumento explosivo do desemprego estrutural, pessoas à espera de ossos em fila de açougues ou correndo atrás de caminhão de lixo para matar a fome e uma série de atrocidades que são fruto de uma política genocida desse desgoverno, que afeta diretamente essa população que historicamente esteve desapossada não só dos meios de produção, mas da sua própria humanidade”.

A professora da UFS Tereza Cristina Santos Martins, que também é Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Questão Social e Movimento Social (GETEQ) da mesma universidade, afirma que a campanha do Conjunto CFESS-CRESS reafirma o posicionamento político da profissão com a luta antirracista, socializando o debate do racismo no âmbito da categoria profissional.

“Sem dúvida há um impacto positivo em termos de ampliação e aprofundamento do debate teórico, expresso na abertura à compreensão da questão étnico-racial e nas publicações. A despeito desse ganho, não se identifica alteração significativa na formação, sobretudo quando observamos as estruturas curriculares dos cursos de Serviço Social no país. Há ainda um abismo muito grande entre os debates possibilitados pela Campanha e a formação concretizada no espaço das instituições de ensino, o que evidencia um desafio gigantesco na direção de uma formação antirracista”, explicou.

Ações que chegam ao cotidiano

A assistente social Juniele Silva dos Santos, que atua há nove anos no CRAS Brunório Serafini, em Colatina-ES, contou que o debate fomentado pelas entidades foi fundamental para que a questão étnico-racial fosse inserida na sua atuação. “Durante o meu processo de formação acadêmica em Serviço Social tive pouco ou quase nenhum acesso ao debate da questão racial, em parte por ausência tanto de professores negros quanto do tema na grade curricular. Meu conhecimento foi adquirido por meio de formações promovidas pelos movimentos negros em aproximação com os movimentos estudantis e posteriormente na minha inserção na luta antirracista. Nesse sentido, percebo que o debate vem sendo pautado pelo Conjunto CFESS-CRESS e efetivado através de ações como, por exemplo, a criação do Comitê Antirracista de Assistentes Sociais do Espirito Santo”.

Os materiais da campanha do conjunto CFESS-CRESS “Assistentes Sociais contra o Racismo” foram socializados por Juniele Silva dos Santos com as/os colegas do CRAS onde trabalha. “A campanha impactou no meu ambiente de trabalho, colocando em pauta a temática do racismo na minha pratica profissional. Por vezes, essas questões eram invalidadas ou relevadas. Com o início da campanha solicitei ao CRESS-17/ES, da minha região, materiais para divulgação, trazendo aos colegas e aos usuários um debate que não partia de um âmbito apenas pessoal, já que sou uma mulher negra de pele clara, mas que está ligado diretamente às nossas práticas naquele território”.

Juniele, que também é representante do Fórum Municipal de Trabalhadores do Suas de Colatina e militante do Movimento de Mulheres Negras de Colatina e Região “Zacimba Gaba”, defende que a melhor estratégia para levar o debate antirracista para o campo de trabalho é por meio da aproximação com os movimentos negros locais. “Aqui no município em que atuo faço parte do grupo ‘Zacimba Gaba’, e também já fiz parte do Fórum da Juventude Negra do Espirito Santo (Fejunes). Precisamos como categoria nos aproximar e articular com esses movimentos conhecendo suas pautas e contribuindo com suas reivindicações”.

Debate

Para o estudante de Serviço Social da Universidade Federal do Pará (UFPA) Wellington Monteiro Ferreira, uma grande parcela da sociedade negligencia a existência do racismo assim como as diversas formas de opressão. “É vivenciando que vemos que não há apropriação ou inserção do debate na formação profissional, o que é problemático. A pauta antirracista deve ser colocada para além dos espaços das categorias acadêmicas e profissional. Precisa estar na raiz do debate na formação das/os graduandas/os em Serviço Social que são, também, debatedoras/es, pesquisadoras/es, sujeitos viventes em muitas realidades, e , por vezes, na linha de frente da luta e da defesa do debate étnico-racial”.

Wellington Monteiro Ferreira, que também é representante discente de graduação nacional na Abepss, militante orgânico, e ex-coordenador nacional da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso), diz que o debate tem sido aprofundado com a contribuição das entidades representativas. “A campanha do Conjunto CFESS-CRESS ‘Assistentes Sociais no Combate ao Racismo’, por exemplo, aprofundou o debate que deixou de ser tratado apenas como recorte, como acontecia por diversas vezes. Com isso, vamos trabalhando e afunilando discussões principalmente por meio dos GTPs que são de indubitável importância, logo que não distantes das realidades impostas principalmente aos discentes do Serviço Social”.

Para Wellington, é fundamental que pesquisadores negros tratem sobre o tema, pois falam e estudam a própria vivência. “Observa-se que há um considerável numero de pesquisadoras/es brancas/os que discutem uma pauta em que eles são os portadores dessa dívida histórica. Não que não possam se apropriar do debate, mas a relevância de pessoas negras nesses espaços deve ser a prioridade”.

A assistente social Elisabete Vitorino Vieira, doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos na Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuou durante anos em CAPS e levou sua experiência para a residência multiprofissional em saúde mental que cursou na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A profissional concorda com a necessidade de incluir o debate sobre racismo nas práticas do Serviço Social como parte do processo de consolidação do Projeto Ético-político da profissão.

“É impossível pensar a sociedade brasileira e as possíveis transformações societárias sem compreender as bases de manutenção e os impactos do racismo nas relações sociais. A manutenção de uma agenda de lutas antirracista não é importante apenas para entidades de representação do Serviço Social, mas para todo o conjunto da sociedade brasileira. Porque pensar a luta antirracista é uma proposta que se insere em um projeto de sociedade. A luta antirracista está pautada no anticolinialismo, no antiimperialismo, portanto, é anticapitalista”, defendeu Elisabete.

(Com informações Ascom/Abepss – Andreson Cacilhas)

Conselho Federal de Serviço Social – CFESS

Gestão Melhor ir à Luta com Raça e Classe em defesa do Serviço Social (2020-2023)

Associação Brasileira De Ensino E Pesquisa Em Serviço Social – ABEPSS

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