XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS
BRASÍLIA, 31 DE JULHO A 05 DE AGOSTO DE 2010

Autores: Francine Helfreich Coutinho dos Santos

Instituição: Universidade Federal Fluminense

 

EDUCAÇÃO E ESCOLA PÚBLICA: NOTAS PARA PENSAR A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL

O presente texto busca compreender conceitualmente os fundamentos da educação, refletindo sobre a política pública educacional. Com o agravamento das expressões da questão social – em especial, o crescimento massivo do desemprego e os níveis exacerbados de pobreza e desigualdade,Serviço Social amplia suas  possibilidades de intervenção, em espaços diversos, dentre eles, a escola pública.

 

Palavras chaves: Educação, , Serviço Social, Escola Pública                                                                              

 

Este trabalho na sua simplicidade está voltado para a temática da educação. A busca pela reflexão entre os nexos existentes entre políticas educacionais - mais especificamente - e o Serviço Social se constitui como parte integrante de meus interesses acadêmicos para aprofundar os estudos sobre a inserção dos assistentes sociais em escolas públicas, objeto de pesquisa no programa de Pós Graduação em Serviço Social - Doutorado.

Discutir o Serviço Social face às transformações que passam o mundo contemporâneo e as implicações dessas transformações na profissão, segundo Iamamoto, se configura hoje como um dos desafios postos à categoria profissional para compreender a realidade que se materializa e afeta diretamente o cotidiano laborativo. Tempos difíceis que marcam o contexto da globalização mundial sob a hegemonia do grande capital financeiro e que traz repercussões consideráveis na organização dos Processos de Trabalho dos assistentes sociais.

O  capitalismo industrial, desde sua origem, se estabeleceu a partir de diferentes fases. As chamadas crises cíclicas do Capital exigiram mudanças na forma de produção, gestão e controle da força de trabalho. Além disto, definiu e redefiniu como o Estado deveria e deve intervir na economia e, sobretudo nas políticas sociais. O modelo hegemônico de organização da vida social está fundamentado, no “mercado como modelo” e, portanto, na empresa enquanto sinônimo de organização perfeita, na qual as várias instituições e esferas da sociedade deveriam mirar-se.

E possível afirmar que os assistentes sociais trabalham com as mais diferentes expressões da “questão social”. Com o agravamento de tais questões em especial, o crescimento massivo do desemprego e os níveis exacerbados de pobreza e desigualdade, o Serviço Social abrange um espectro variado de possibilidades de intervenção, em espaços diversos, dentre eles, a escola pública. Esta, nas ultimas décadas, tem assumido um papel significativo na vida das classes trabalhadoras, sendo cada vez mais desafiada a articular o conhecimento com a realidade social, buscando, assim, instrumentalizar o sujeito para compreender e intervir nas questões que se apresentam no seu cotidiano. Mas, ao mesmo tempo, esta mesma instituição tem sido o cenário de experiências complexas das diferentes expressões da questão social.

Portanto, este trabalho parte da necessidade de compreender a educação enquanto política pública,. Sendo este texto parte constitutiva dos estudos de doutoramento que co-relaciona a escola publica com o exercício profissional do Assistente social, seus limites, desafios e possibilidades.

Pensando na educação em tempos de Capital Fetiche, é possível afirmar que há uma clara orientação de focalização da política educacional no Brasil, obedecendo à mesma tendência evidenciada na condução das políticas sociais. Em geral, a política educacional, assim como as demais políticas sociais, devido às mudanças ocorridas na fase monopolista do capitalismo, respondem de modo específico as necessidades de valorização do capital, ao mesmo tempo em que se consolida a demanda popular efetiva de acesso ao saber produzido.

            Florestan Fernandes (1975), ao produzir suas análises sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil a partir da integração do país na economia internacional, advertia que esta associação não devia ser concebida como uma “ imposição” de fora para dentro, mas articulada aos próprios interesses da burguesia brasileira em reproduzir internamente as relações de dominação ideológica e exploração econômica.

            Na experiência recentemente vivida, o governo Lula foi o exemplo indelével de tentar conciliar o inconciliável, ou seja, a opção estratégica de buscar a conciliação entre as classes fundamentais da sociedade capitalista – burguesia e trabalhadores, e suas ações voltaram-se para o oferecimento de políticas pobres para os pobres e reformas favorecedoras do capital estrangeiro, do empresariado nacional, e, sobretudo para os ditames dos organismos multilaterais. Neste ínterim, o atual governo optou pela continuidade nos fundamentos da intervenção social em relação ao anterior considerando a subordinação da Política Social à Política Econômica.

            Embora a educação apareça no rol das prioridades governamentais, nesta tem sido deixadas marcas profundas deste descenso: no ensino fundamental enquanto se “garantia” criança na escola, cria-se para tal, a moeda de troca chamada “Bolsa Família”. Para o ensino profissionalizante, prevalece a lógica de preparar a “mão-de-obra”de forma mais imediata possível para o mercado, passando longe a possibilidade de se formar de fato cidadãos críticos. E para o ensino superior o “menu” do desmonte é o mais vasto: sucateamento total, sistemas de avaliações que não avaliam, mas justificam e potencializam a proliferação de instituições privadas haja vista as “dificuldades” para arcar com o alto custo do ingresso e permanência nas universidades públicas. Segundo estudos de Leher,

o empresariamento da educação superior brasileira é uma tendência geral que se repete na América Latina. No início dos anos 1960, apenas 15% das instituições de ensino superior eram privadas, atualmente o total ultrapassa 70%, correspondendo a mais da metade das matrículas.”

 

Além disto dados mostram o significativo afastamento da classe trabalhadora desta modalidade de ensino – a educação superior pública.

            Segundo o Relatório Mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2004, o Brasil ostenta enormes discrepâncias econômicas, apresentando a pior distribuição de renda no mundo, em que 20% dos mais ricos ganham até 32 vezes mais que os 20% mais pobres. A desigualdade social manifesta-se também de forma perversa no sistema educacional, caracterizado por baixos índices educacionais, com 16% de analfabetos e evasão de 40% dos estudantes brasileiros, que não conseguem concluir o nível obrigatório de escolaridade. É, portanto, um país portador de um sistema educativo bastante elitista, no sentido de que o direito à educação em todos os níveis ainda é um alvo distante.

            Neste sentido, em uma sociedade regida pela lógica mercantil, onde o capital subordina todas as forças sociais existentes com o intuito de convertê-las em elementos propulsores de mercadorias, emerge como um desdobramento necessário a transmissão de conhecimentos e idéias que possam operacionalizar os sentidos desejados pelo capital. Esta questão já era apontada por Marx e Engels quando em 1848 escreveram o Manifesto do Partido Comunista:

“...E vossa educação não é também determinada pela sociedade, pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade, do meio de vossas escolas etc.? Os comunistas não inventaram essa intromissão da sociedade na educação, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação da influência da classe dominante.” Marx e Engels: (1848:126)

Ainda que de forma fragmentada, o recorte textual aponta para um  problema sobre a educação ministrada dentro da instituição escolar. O que fazer já que a educação é parte da superestrutura? Ou seja, será que a escola não deveria ter uma outra dimensão, senão aquela atribuída pela sociedade burguesa? Por acreditar nesta assertiva Marx aposta na sociedade comunista onde:

                                                   Por conseguinte a educação os libertará deste caráter unilateral que a divisão social do trabalho impõe a cada individuo. Assim a sociedade organizada sobre bases comunistas dará a seus membros a possibilidade de empregarem todos os seus aspectos, suas faculdades desenvolvidas universalmente. Porém com isto desaparecerão inevitavelmente as diversas classes.

            Marx assim como Gramsci aposta na emancipação humana, na possibilidade de construção do “homem novo”. Embora não exista uma concepção teórica sobre educação no modo de produção capitalista nos escritos feitos por Marx, suas concepções sobre os princípios de uma educação pública socialista são encontradas de forma fragmentada ao longo de seus trabalhos.

            Marx aposta na possibilidade de superação desta ordem produtora de desigualdades e determinante de uma superestrutura a qual a educação faz parte. Logo, a educação ideal só é possível em uma etapa histórica que tivesse passado por uma superação deste modo de produção.

            Karl Marx (Konder, 2001) nunca devotou à educação o papel de promotora da transformação da sociedade. Suas contribuições essenciais para a educação estão focadas no esclarecimento e na compreensão da totalidade social da qual a educação faz parte, sendo determinada e determinando, sendo influenciada e influenciando a estrutura econômica.

            Assim, o caráter emancipatório assumido pela educação na perspectiva marxiana, em geral pela educação escolar, vem sendo contrariado sobretudo pelas tendências apontadas pelo capitalismo onde a escola, assim como outras organizações da sociedade civil, auxilia na consolidação da hegemonia, operando neste espaço no plano da ideologia e da cultura.

Para Nicolas Davies (2001:21), as escolas não foram criadas para desenvolver as potencialidades humanas. Ao contrário, numa sociedade de classes, capitalista, como a brasileira, elas existem essencialmente - mas não apenas - para atender às várias necessidades econômicas, políticas e ideológicas das classes dominantes.

            Embora as escolas possam contribuir também para a construção de uma nova hegemonia, o que existe hoje é uma educação de massas, ou seja, uma educação que ajuda a conformar os cidadãos para um fazer, um sentir e um agir que mantenham as relações sociais vigentes. Há um duplo ataque do capital: a retirada do Estado da política pública e o incentivo a responsabilização individual pelo sucesso e fracasso escolar. A todo o tempo presenciamos o incentivo de organizações como a UNESCO, mostrando que a “Escola transforma a vida das pessoas”, porém desde que associada a indivíduos que  façam a sua parte na educação, se quiserem um sistema educacional de qualidade. Ou seja, a sociedade tão somente deve assumir a responsabilidade da mudança social que a escola deve imprimir, seja via instituições filantrópicas, ONGs, igrejas, universidades, setores empresariais, sindicatos,ou através da participação voluntária.[1]

            A política neoliberal com sua “ideologia unificadora” conclama a sociedade a participar dos rumos da escola. No entanto, esta participação não se assemelha com a organização política ou com a mobilização da classe trabalhadora. Ao contrário, esta participação se afina à lógica do voluntariado, da “solidariedade” que minimiza a culpa”, ou seja, contribui para a manutenção do que está posto. No ideário neoliberal, qualquer pessoa pode realizar atividades educativas, desde que tenha vontade de fazê-lo. Ou seja, afirma-se a Sociedade Civil, suas diversas instituições, dentre elas ONGs, empresas, associações de diversa natureza, como o principal sujeito do processo de implementação das políticas sociais.

            No marco da financeirização do capital, direciona-se a atenção à pobreza para a responsabilidade privada dos cidadãos, com a diminuição da atenção do Estado nas políticas e necessidades sociais, que é transferida para a responsabilidade do mercado e da filantropia. Assim, o dever moral se sobrepõe à esfera pública, com o rompimento da universalidade dos direitos e da possibilidade de reivindicação destes, com a  descontinuidade das políticas e dos serviços sociais e com o retorno ao assistencialismo (Iamamoto, 2007).

            Outra questão importante a ser tratada aqui é a associação dos programas de renda mínima às políticas educacionais. O debate das políticas de renda mínima ocupa lugar importante na agenda política de vários países, desde as décadas de 1980 e 1990, com as mudanças operadas na sociedade salarial com a crise do capitalismo contemporâneo.

            Nos países centrais, esse debate se fez em torno das redefinições sobre o Estado de Bem-Estar-Social e as suas políticas universalizantes, considerando a precarização das relações de trabalho e o aumento do desemprego. Já no Brasil, os programas de renda mínima surgem num primeiro momento na década de 90 - com uma estreita vinculação com os programas educacionais e voltados para os estratos mais pobres da população. Segundo Fonseca (2006) essas políticas apresentam três elementos importantes: 1) o foco em famílias pobres e extremamente pobres, com crianças e adolescentes; 2) o princípio das contrapartidas ou condicionalidades restabelecidas e 3) o não pertencimento ao campo dos direitos sociais, onde significam apenas estratégias de enfrentamento a pobreza. Tem-se neste sentido um retrocesso temporal onde se volta à compreensão de que as intervenções frente à questão social passam também pela possibilidade de intervenções policiais, onde se presentifica no Estado penal, o revés do Estado Social.

Um dos exemplos de maior êxito da hipertrofia do Estado penal, em detrimento de um Estado social, é o que ocorre na política de segurança pública dos Estados Unidos, cujo modelo, segundo Wacquant (2003), tem sido exportado para diversos países do mundo, principalmente para os continentes europeu e latino-americano. Visando garantir a defesa contra as desordens geradas pelo desemprego em massa, retração da proteção social do Estado e imposição do trabalho precário, entre outras mazelas, utiliza-se largamente da estratégia de criminalização das classes sociais subalternas.

As duas modalidades fundamentais da política de criminalização que, nos Estados Unidos, substituíram paulatinamente, nos últimos trinta anos, um semi Estado-providência por um Estado policial foram: a) o workfare, onde os serviços sociais se configuram em instrumento de controle e vigilância das classes consideradas “perigosas” – estes dispositivos condicionam o acesso à assistência social à realização de certas normas de conduta (sexual, familiar, educativa, etc.), e o beneficiário do programa deve se submeter a qualquer emprego, não importando a remuneração, muito menos as condições de trabalho; e b) a realização de uma política de “contenção repressiva” dos pobres, através do encarceramento em massa, o que resulta em um crescimento da população carcerária jamais visto em uma sociedade democrática, de 314% em 20 anos (entre 1970 a 1991). Se contabilizarmos os indivíduos que são postos em liberdade vigiada (probation) e os indivíduos soltos em liberdade condicional (parole) por falta de lugar nas penitenciárias, são aproximadamente cinco milhões de americanos, ou seja, 2,5% da população adulta do país que estão sob jurisdição penal (cf. Wacquant, 2003).

Salienta-se que ambas as modalidades se assemelham com as ocorrências brasileiras, sobretudo as experiências cariocas, onde o acesso à assistência social está condicionado a à realização de certas normas de conduta (sexual, familiar, educativa, etc.) como é o caso do controle  realizado pelo Programa Bolsa Família –via processo de trabalho impresso aos Assistentes Sociais da Rede de Proteção ao Educando da Secretaria Municipal de Assistência social da prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e a realização da  política de “contenção repressiva” através do uso de Blindados onde combate-se a violência com violência, utilizando uma estratégia de confrontação e intimidação aos moradores de espaços populares.

            O governo Lula, por exemplo, valeu-se da retórica da inclusão social, utilizando o  Programa Bolsa Família, pilar do Programa Fome Zero, onde, mais uma vez temos o exemplo de uma política emergencial e focalizadas nos pobres e nos “excluídos”, constituindo aquilo que Robert Castel (1997) chama de “políticas de discriminação positiva”. Ou seja, eis o exemplo de mais uma política compensatória defendida pelo Banco Mundial há mais de 15 anos que, se assemelha a experiências implantadas no México, na Argentina e no Chile, onde tais políticas sociais, segundo Arcary (2007) criaram um novo modelo de clientelismo político associado ao controle dos cadastros e a cooptação dos movimentos sociais.

            Segundo a teoria marxista, a distribuição da renda e da riqueza de uma economia nacional está atrelada ao modo de produzir, à forma pela qual os produtos são criados pelo trabalho coletivo dos proletários. Assim, produção e distribuição, como consumo e circulação, formam partes indissociáveis de uma totalidade econômica. Isto é, a luta pelo fim do pauperismo e das desigualdades sociais não deve se resumir somente às esferas da distribuição e da circulação, sendo ineficaz caso não contemple mudanças radicais na esfera da produção e, portanto, na propriedade privada dos meios de produção.

            A perspectiva da vinculação do PBF à educação pública tem como pano de findo corresponder aos organismos multilaterais que impõem a execussão de Programas de combate à pobreza em troca de recursos. Sabe-se que as escolas públicas, sobretudo na atualidade, têm como seu público alvo as crianças e adolescentes oriundas de famílias pobres e que estas, nos últimos anos, têm apresentado menores êxitos nos processos de avaliação. Neste sentido, educação aparece como o caminho para o fim da pobreza, inicialmente com Bolsa Escola e atualmente com Bolsa Família. Entretanto, o debate sobre a articulação entre as políticas de combate a fome, a educação de qualidade e condições efetivas de emprego não aparecem. Discute-se freqüência escolar, mas não se problematiza a qualidade do ensino e nem  propostas de melhorias.

            A questão do fracasso versos permanência escolar, possui múltiplos fatores para além das questões no âmbito monetário.  Segundo dados do Inep/MEC-2001, no Brasil, de cada 100 alunos que ingressaram na primeira série do ensino fundamental, 59 concluem a 8ª série e os outros 41 deixam de estudar. O desinteresse pela escola é algo corriqueiro no universo escolar, espaço este que é atravessado pelas adversas expressões da questão social tais como a fome, o desemprego,  doenças, sobretudo nas escolas situadas em espaços populares.

Comportamentos violentos, gravidez na adolescência, uso abusivo de álcool e outras drogas, analfabetismo, violência, desemprego, moradias precárias, fome são exemplos comuns dessas manifestações, que ao contrário do que se pensa, não são exclusivos dos grandes centros urbanos, mas traduzem os efeitos da apropriação desigual da riqueza socialmente produzida na sociedade.

Entretanto tais expressões nem sempre se revelam. A realidade não se manifesta, direta e imediatamente, sendo necessário desvendá-la, procurando no mundo da aparência o que é real (Kosik:1989). O que demanda estudos e pesquisas e trabalhar com a perspectiva de totalidade para tentar compreender a realidade social dentro da qual se inserem os fenômenos.

            O desvelar das diversas manifestações da questão social no interior da escola pública se estabelece como matéria sobre a qual o exercício profissional do assistente social vai se remeter, dado que a profissão “se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, expressa pelas contradições do desenvolvimento capitalista monopolista” (ABEPSS, 1997:60)

Deste modo, a escola aprece como um “novo” campo de atuação do assistente social, onde “um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo”. ( Iamamoto,1998:20) Sobretudo porque neste espaço onde sua legitimidade ainda não se deu por completo, é preciso romper com a visão focalista e endógena da profissão.

As demandas para o profissional neste campo recaem sobre diversas possibilidades de trabalho com as famílias, com os alunos e também com os professores e os demais sujeitos que compõem a comunidade escolar, haja visto que há uma função pedagógica contida na prática profissional.(Abreu: 2002)

Segundo a autora, a função pedagógica do assistente social é determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa por meio dos efeitos dessa ação na maneira de pensar e agir dos sujeitos nela envolvidos. O caráter pedagógico da prática dos assistentes sociais, representa uma forma de contribuir para a criação de uma nova cultura desencadeada desde o Movimento de Reconceituação na América Latina em todo o seu significado da relação que se estabelece com distintos projetos em disputa na sociedade. Neste sentido nas reflexões de Abreu (2002),

 

           “As relações pedagógicas concretizam-se sob a forma de ação material e ideológica, nos espaços cotidianos de vida e de trabalho de segmentos das classes subalternas diretamente envolvidos no processo de prática profissional, interferindo na reprodução física e subjetiva desses segmentos e na própria constituição do Serviço Social como profissão. Por meio do exercício desta função, a prática do assistente social insere-se no campo das atividades que incidem sobre a organização da cultura, constituindo-se elemento integrante da dimensão política e ideológica das relações de hegemonia” . (2002:17)

A questão da hegemonia é um bom eixo para a discussão sobre as possibilidades de enfrentamento deste status quo no interior da escola pública, tendo em vista que nela também se manifestam os diferentes projetos societários em disputa na sociedade.

A necessidade de se repensar política educacional enquanto uma política social na órbita dos diretos legalmente garantidos, prima pela busca de elementos para pensar a escola que queremos e necessariamente pela passagem do senso comum para o bom senso e assim construir possibilidade de ações contra-hegemônicas – hegemonia aqui entendida como direção política e cultural de uma classe sobre a outra - e  contribuir para o processo de superação da apassivação e cristalização de um principio educativo que se traduz em um determinado tipo de conformismo social.

Trata-se de ressignificar a discussão da Gestão Democrática[2] . Há vários apontamentos do Projeto Ético-político do Serviço Social que estabelecem possíveis diálogos que perpassam a possibilidade de fomentar  a participação da família na escola: a construção de fóruns de pais e mestres, o Grêmio Escolar e diversos espaços coletivos que podem ser potencializados a fim de contribuir no repesar da escola pública. E para isto, tem-se claro que estas ações organizativas devem estar atreladas ao campo teórico.

Gramsci, para além da sua herança teórica deixada sobre o conceito de Estado e hegemonia, nos dá pistas para a reflexão da educação. Desde o final dos anos sessenta, já eram divulgados no Brasil alguns de seus textos, entre os quais Os inte­lectuais e a organização da cultura que foi de grande valia para a  reflexão so­bre a educação e a escola. Entretanto, só nos anos oiten­ta, quando se fortaleceu o processo de redemocratização do país que alguns educadores buscaram apresentar propostas que se contrapusessem às iniciativas reformistas de setores conservadores e tradicionais, dando-se início à pesquisa sobre a concepção socialista da edu­ca­cão Gramsci.

Gramsci (2001), seguindo as mesmas concepções teóricas de Marx, ao longo dos onze anos que esteve no cárcere devido a sua posição contrária ao regime fascista italiano, deixou algumas contribuições a mais (mas não mais importantes) em sua obra “Cadernos do Cárcere”. A educação para Gramsci desempenha um papel fundamental tanto na consolidação da hegemonia como na formulação da contra-hegemonia e a escola pode ter um papel fundamental neste processo.

A concepção de escola gramsciana se difere de alguns teóricos que percebem a escola apenas como aparelho ideológico do Estado, nos termos de Althusser, ou seja, apenas como reprodutora  dos anseios da classe hegemônica.  De fato, a burguesia tem uma ciência, uma cultura e uma educação que são dominantes, por ser a classe economicamente dominante. Desta forma Marx entende que a ciência, a cultura e a educação só estarão a serviço das classes trabalhadoras quando estas detiverem o controle dos meios de produção, e conseqüentemente, do Estado e da sociedade.

Na tessitura da obra gramsciana é sustentada  sua teoria que a escola pode ser um espaço de disputa. Acredita na disputa dentro das instituições e em especial na escola, onde a mesma deveria preparar todo cidadão para poder tornar-se “governante”.Compreendia a importância da educação escolar na organização da cultura das sociedades modernas, entendia a escola como um instrumento de transformação, de formação de intelectuais. Defendia a existência de uma escola unitária e criadora, que possibilitasse ao individuo se tornar autônomo, capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. Pensava em uma escola que pudesse unir teoria e prática, ou seja, articular um programa que possibilitasse as pessoas compreender e intervir no mundo.

 Assim, a escola proposta por Gramsci para o ensino infantil, fundamental e médio é uma escola unitária, de cultura geral, voltada para a compreensão atual do mundo da produção tecnológica, pautada no ensino moderno como principio pedagógico - a escola da liberdade de expressão, de criação e satisfação - diferente de uma escola de cultura arcaica, consoante com o velho humanismo pré-industrial. Gramsci dizia que a Escola é, ao mesmo tempo, reino da necessidade (trabalho muscular nervoso e disciplina) e reino da liberdade. Desta forma, definia a noção de escola unitária, pressupondo o desenvolvimento da sociedade civil, e conferindo à escola uma dimensão estratégica na luta ela hegemonia no âmbito do “Estado ampliado”.

 Embora o tempo presente não seja o mesmo de Gramsci, nos parece que as questões cruciais do passado instauram-se na atualidade de forma cada vez mais contundente, sobretudo quando pensamos a possibilidades interventivas do Serviço Social na esfera escolar.

Face ao caráter sócio-educativo-organizativo impresso na prática profissional é possivel contribuir para a ampliação da escola enquanto um espaço democrático que precisa ser repensado não só pela categoria profissional, mas por todos os sujeitos que estão envolvidos nesse processo, e sobretudo atribuir a ela possibilidades contra-hegemônicas.

Às portas de um novo tempo, ou melhor, de “tempos difíceis” para a profissão e para o conjunto da classe trabalhadora diante a voracidade do grande capital e da intensificação das expressões da questões social, fica cada vez menos simples apontar caminhos para concluir estas reflexões.

O projeto de sociedade resultante dessa nova ordem econômica que amplia as relações de exploração e subordinação das classes, impõe ao serviço social competências técnica, teórica e política, pressupostos do compromisso profissional na busca da efetivação dos fundamentos da emancipação humana. E além disto afirmar que tais fenômenos precisam ser discutidos e trabalhados não só pela categoria profissional, mas pelas demais categorias que ainda apostam na superação desta ordem.  Gramsci nos deixa, assim, profundas lições, no sentido de estarmos abertos ao novo que irrompe na história. E assim termino utilizando o grande teórico cuja afirmação está contida nos “Cadernos” "é preciso voltar brutalmente a atenção para o presente tal como é, se se quer transformá-lo".

BIBLIOGRAFIA

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BASTOS, João Baptista. Gestão Democrática Rio de Janeiro. DP&A: SEPE, 2001, 2ª edição

 

HIDALGO. Ângela Maria de “Educação para a responsabilização individual” para “Educação e consciência de classe”. In Educação e Luta de classe. São Paulo. Expressão Popular.2008.

 

DAVIES, Nicolas. Escola: reforma ou revolução?  Elementos para um projeto educacional a serviço da classe trabalhadora. In Desafios da Educação. 2001.

FERNANDES, Florestan. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis, Vozes. 1975.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 4. Temas de cultura. Ação católica. Americanismo e fordismo. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Luiz Sérgio Henriques. Orelha de Luiz Werneck Vianna. Quarta capa de Michael Löwy. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

IAMAMOTO, Marilda V. . Serviço social no tempo do capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2007.

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MARX, Karl. O capital (Livro l: O processo de produção do capital). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. .1980.

 

 

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WACQUANT, Löic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: F. Bastos, 2001, Revan, 2003.

 

 



[1] Um do exemplo mundial no esvaziamento da função educativa da escola chama-se “Cidades Educadoras” resposta desenvolvida em diversos países, inclusive no Brasil, onde a fundamentação política baseia-se nas ações do terceiro setor como alternativa tanto para o mercado quanto para o Estado, como novo padrão de Regulação social (Hidalgo:2008:130)

[2]  “A gestão democrática na escola pública deve ser incluída no rol de praticas sociais que podem contribuir  para  a consciência democrática e a participação popular no interior da escola. Esta consciência e esta participação, não tem a virtualidade de transformar a escola numa escola de qualidade, mas tem o mérito de implantar uma nova cultura na escola: a polinização, o debate à  liberdade de se organizar, em síntese, as condições essenciais para os sujeitos e os coletivos se organizarem pela efetividade do direito fundamental: acesso e permanência dos filhos das classes populares na escola pública” .(BASTOS: 2001:14)

                                                                             


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