Estatuto do Nascituro violenta os direitos humanos das mulheres brasileiras

Saiba mais sobre o projeto de lei que torna a maternidade compulsória, inclusive em casos de estupro, e o que o CFESS pensa sobre isso.
Foto de jovem segurando cartaz com os dizeres: Estatuto do Nascituro - financiamento estatal do estupro
O Estatuto do Nascituro tem sido bastante criticado por desrespeitar os direitos humanos das mulheres (Foto: Rafael Werkema)
 
Direitos humanos das mulheres. Este é um tema que, à primeira vista, parece ser facilmente compreendido pela categoria de assistentes sociais. Entretanto, quando se propõe a destrinchá-lo, falando de questões mais profundas, como o aborto, por exemplo, o debate é tomado por uma enxurrada de opiniões do senso comum, muitas vezes atracadas no moralismo, no conservadorismo e no fundamentalismo religioso.
 
Portanto, o CFESS se manifestar contrário ao Projeto de Lei nº 478/2007 (conhecido como Estatuto do Nascituro), que tramita na Câmara dos Deputados e visa estabelecer os direitos dos embriões, pode gerar incômodo de assistentes sociais e estudantes que ainda não enfrentam este debate de forma teórica, crítica e laica.
 
“O Estatuto do Nascituro é uma agressão à autonomia e aos demais direitos das mulheres. E certamente não é uma estratégia isolada. É a resposta conservadora das bancadas religiosas, inconformadas com as posições do Supremo Tribunal Federal (STF) em reafirmar os direitos que são garantias constitucionais”, critica Marylucia Mesquita, conselheira e coordenadora da Comissão de Ética Direitos Humanos (CEDH/CFESS).
 
O Estatuto, além de transformar em crime situações de abortamento permitidas pela Lei, como nos casos de estupro, gravidez com riscos à saúde materna e gravidez de fetos anencefálicos, estabelece proteção total ao que o projeto define como nascituro e torna a maternidade compulsória, ou seja, a mulher será obrigada a suportar a gravidez resultante do crime de estupro, demonstrando um profundo retrocesso à luta dos direitos humanos das mulheres.
 
“O fato de termos um corpo biológico que nos possibilita viver a maternidade não pode resultar em obrigação. A maternidade, como experiência humana, é uma construção sócio-histórica e como sujeitos éticos, com autonomia e responsabilidade, as mulheres são capazes de decidir sobre viver ou não esta experiência. O Estado e as religiões fundamentalistas não têm o direito de interferir. É preciso enfrentar a ideologia patriarcal reproduzida por meio da mídia hegemônica, pelas religiões fundamentalistas e pelo próprio Estado, que disseminam a maternidade compulsória e, equivocadamente, o chamado ‘instinto materno’”, enfatiza a Conselheira Marylucia.
 
“Bolsa estupro”
Os absurdos do Estatuto do Nascituro não param por aí. O texto propõe que o estuprador genitor seja identificado e responsável por pagar uma pensão alimentícia até a maioridade. Caso ele não seja identificado, o Estado assumirá essa tarefa. “Por isso, este projeto tem sido chamado pelo movimentos feministas e de mulheres também de ‘Bolsa Estupro’. Ele naturaliza a violência contra a mulher, respalda este crime hediondo (o estupro) e, ao criminalizar o aborto, coloca a pessoa violentada no mesmo patamar do estuprador”, alertou Marylucia.
 
O PL nº 478/2007, de autoria dos Luiz Bassuma (PT/BA )e Miguel Martini (PHS/MG), está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, após ter sido aprovado no dia 5 de junho na Comissão de Finanças e Tributação (CTF).
 
Foto da Marcha das Vadias do Distrito Federal, que reuniu cerca de 3 mil pessoas em Brasília
Marcha das Vadias do Distrito Federal reuniu cerca de três mil pessoas em Brasília (Foto: Rafael Werkema)

Pauta prioritária na Marcha das Vadias
O “Estatuto do Nascituro” e a violência contra a mulher foram os principais alvos dos protestos da Marcha das Vadias, que reuniu cerca de três mil pessoas em Brasília (DF), no último sábado (22). A mobilização, organizada por um coletivo de mulheres chamado Marcha das Vadias do Distrito Federal, levantou as principais bandeiras do movimento feminista.
 
Assistentes sociais e estudantes de serviço social participaram da Marcha, demonstrando que o debate sobre as desigualdades de gênero tem que fazer pauta da agenda prioritária da profissão.
 
Na opinião da estudante Rayane Noronha, da Universidade de Brasília (UnB), o serviço social deve incorporar cada vez mais as pautas do movimento feminista, e que isto deve começar na formação. “A Universidade deve oferecer mais espaço para disciplinas que discutam questões de gênero e raça”, sugere.
 
“Esta mobilização deve despertar o senso crítico da sociedade e da categoria, que é majoritariamente feminina, para os direitos das mulheres. Lutar contra o machismo, o sexismo e a discriminação por gênero são princípios do Código de Ética da profissão”, argumentou o estudante da UnB Luiz Philipe, demonstrando também que a Marcha das Vadias não é composta só por mulheres.
“A Marcha foi marcada pela emoção e pela irreverência. Palavras de ordem como ‘Ô poder público, vou te dizer, existe aborto independente de você’ denunciam as violências que as mulheres brasileiras sofrem cotidianamente e retratam um problema que é de saúde pública. A Marcha das Vadias é uma expressão do movimento feminista e luta pela autonomia e liberdade das mulheres”, completa Marylucia Mesquita, que participou da mobilização.
 
Foto mostra a Marcha descendo as escadas da Rodoviária do Plano Piloto de Brasília. Ao centro, estudantes da UnB e a conselheira do CFESS Marylucia Mesquita
Estudantes de serviço social participam da Marcha. Ao centro, a conselheira do CFESS Marylucia Mesquita (Foto: Rafael Werkema)

O Estado deve ser laico!
A coordenadora da CEDH/CFESS, Marylucia Mesquita, também esteve presente no “Seminário Fundamentalismo, Modelo de Desenvolvimento e Direitos Humanos” e na audiência “Efetivação dos Direitos Humanos no Brasil e os 10 anos das Relatorias Nacionais em Direitos Humanos”, ambos realizados na quinta-feira, 20 de junho. Durante a audiência, foi lançado o Movimento Estratégico pelo Estado Laico (MEEL), uma estratégia de enfrentamento aos crescentes retrocessos que estão ocorrendo na sociedade brasileira na área de direitos humanos, haja vista os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional. Na oportunidade, o CFESS aderiu ao MEEL.
 
“A defesa e a garantia do Estado Laico é um princípio democrático fundamental no enfrentamento de práticas conservadoras, autoritárias, arbitrárias, fascistas e, portanto, violadoras dos direitos humanos. O serviço social brasileiro está presente também nesta luta!”, explica a Conselheira, lembrando que o Conjunto CFESS-CRESS possui , desde 2012, a Resolução CFESS nº627/2012, que dispõe sobre a vedação de utilização de símbolos, imagens e escritos religiosos nas dependências do Conselho Federal, dos Regionais e das Seccionais de Serviço Social.
 
Posicionamento favorável à descriminalização e legalização do aborto
Há pelo menos cinco anos, o Conjunto CFESS-CRESS vem discutindo o tema aborto com a categoria, por entender que a prática do aborto é um grave problema de saúde pública e envolve os direitos humanos das mulheres. Os Encontros Nacionais de 2009 e 2010, maior espaço deliberativo da categoria que reúne assistentes sociais representantes de todas as regiões do Brasil, aprovaram, respectivamente, as deliberações de apoiar a descriminalização e a legalização do aborto. Decisões que podem não representar a opinião de toda a categoria, mas que demonstram o posicionamento da grande maioria de profissionais.
 
Assistentes sociais podem, muitas vezes, trabalhar em equipes multiprofissionais que realizam atendimento de mulheres que desejam interromper a gravidez conforme as prerrogativas legais. O Código de Ética Profissional, no seu artigo 6º, indica que a categoria deve respeitar as decisões da população usuária, ainda que se discorde delas. Cabe à pessoa que faz o atendimento à mulher grávida decorrente de estupro indicar as alternativas possíveis, como a interrupção dessa gravidez, conforme previsão no Código Penal desde 1940, no artigo 128, que permite o aborto em caso de violência sexual.
 
Importante lembrar que em março deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) defendeu a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação, divulgando amplamente seu posicionamento. Além disso, enviou à comissão do Senado responsável pela reformulação do Código Penal um documento sugerindo que a interrupção da gravidez até o terceiro mês seja permitida em casos que vão além daqueles envolvendo riscos à mãe, anencefalia de fetos ou estupro. Para o Conselho, o aborto deve deixar de ser crime também se houver emprego não consentido de técnica de reprodução assistida, se o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, ou se for a vontade da gestante até a 12ª semana de gravidez.
Foto de mulheres segurando cartazes reafirmando o descontentamento com o Estatuto do Nascituro
“Cure seu preconceito”, diz um dos cartazes erguidos pelas manifestantes (Foto: Rafael Werkema)

Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Gestão Tempo de Luta e Resistência – 2011/2014
Comissão de Comunicação
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Assessoria de Comunicação

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